Recálculo das vantagens pessoais “VP-GIPs”: posicionamento favorável do TST

O assunto de hoje interessa aos empregados da Caixa admitidos até 31.03.1997, conforme o regulamento RH115. Na prática, são os concursados de 1989 e anos anteriores, uma vez que as vantagens incorporadas não foram estendidas para os empregados já admitidos pelo PCCS de 1998. Embora não mais atinja a totalidade dos empregados, visto que os “pré-98”, como são chamados, hoje conformam apenas 25% dos ativos aproximadamente – e nem seja assim, digamos, um tema tão novo assim – ganhou relevância nos últimos meses, já que a cúpula do Tribunal Superior do Trabalho, a SBDI-I, posicionou-se favoravelmente aos empregados no final do ano passado.

Para entender direitinho do que se trata, é preciso iniciar pelo nome e sobrenome das VPs: vantagens pessoais incorporadas. Esse nome já traz em si um conceito que tem relevância no mundo jurídico. Uma vantagem incorporada, em palavras muito simples, é um direito devidamente contratado com os empregados (direito adquirido, portanto), mas que a empresa, por algum motivo, deixa de oferecer aos “novos” empregados que resolve contratar. Isso é perfeitamente possível, pois do contrário toda e qualquer empresa no Brasil ficaria engessada em sua política de remuneração dos empregados. Sim, desde que respeitadas as regras básicas de equiparação salarial (identidade funcional, de produção, de local, de tempo e, para muitos, inexistência de plano de carreira estruturado), é legal admitir que um empregado ganhe menos que outro em idêntica posição. Se a diferenciação é justa ou injusta, isso é outra coisa – mas que é legal, é. E como estamos falando de direitos adquiridos, aqui vigora a máxima de que o contratado não sai caro: se a empresa contratou lá atrás com um empregado o pagamento de determinado direito (um décimo-quarto salário, por exemplo), ela pode até deixar de praticar esse direito para os empregados mais novos, mas não para aquele trabalhador que teve isso pactuado no seu contrato.

E o que ocorreu lá atrás foi exatamente isso: quando a Caixa nem era banco, ela pactuava com os empregados o pagamento de salários extras por ano, como forma de gratificação salarial. Não só ela, mas todas as estatais federais, pois isso era da política remuneratória da época. Aí o Governo determinou a cessação do pagamento dos salários-extras e, para não violar os direitos adquiridos, a Caixa (e as demais estatais) converteram isso em vantagens incorporadas. No Banco do Brasil, por exemplo, as vantagens incorporadas tinham o nome de “gratificações semestrais” e, depois da mudança governamental, continuaram sendo pagas mensalmente com esse mesmo nome (vai explicar para um sueco como é possível uma rubrica semestral ser paga mensalmente… coisas do nosso Brasil). No caso da Caixa, esses salários extras foram igualmente convertidos em três verbas incorporadas, hoje registradas pelas rubricas 092, 062 e 049 do RH115, mas receberam fórmulas complicadas, que se baseiam no salário-padrão, no tempo de serviço e nas gratificações de função exercidas dos empregados, sendo também mantidas e pactuadas para os concursados de 1989, como já dito.

Durante a década de 1990, a coisa fluía com normalidade: as funções comissionadas – e é isso que dá problema, no caso das VPs – eram remuneradas por meio de rubrica única, a “FC – Função de Confiança”, com previsão expressa no RH115. O empregado gerente, por exemplo, recebia o salário, a gratificação de função e o esperado acréscimo decorrente das vantagens incorporadas, que é de aproximadamente 40% sobre a remuneração básica acrescida da função.

Só que, a partir de 1998, a intenção declarada da Caixa era a de segurar os gerentes, que estavam se evadindo para o mercado privado. O concurso de 1998 foi nitidamente preparado para isso, com prestígio às carreiras gerenciais, cujas respectivas gratificações foram de fato aumentadas na tabela de remuneração das funções do regulamento RH115, recebendo um novo nome (“CC – Cargo em Comissão”, substituindo o nome “FC – Função de Confiança”) para destacar esse aumento. Obviamente, um concursado “novo”, da leva de 1998, já chegou na empresa com a vantagem de ser mais bem remunerado caso fosse alçado a gerente. Só que muito poucos empregados já existentes na casa não perceberam que esse aumento na tabela de funções foi meramente nominal e serviu somente aos “novos”, pois resultou num acréscimo muito pequeno no contracheque mensal, o que para alguns sequer ocorreu.

E é aí que entra o velho conceito jurídico das vantagens incorporadas, acima exposto. Ora, se, por exemplo, eu tenho dois operários de fábrica – um antigo, com pacto de dois salários a mais por ano, pago em frações mensais, e um novo, sem essa cláusula – isso significa que, ganhando o novo R$ 1.000,00 mensais de salário, mais uma verba de incentivo mensal qualquer de outros R$ 1.000,00 (salário total de R$ 2.000,00), o mais antigo deverá receber R$ 2.000,00 + 1/6, ou seja, R$ 2.334,00, pois há vantagem incorporada ao recebimento mensal de 1/6 sobre o salário previsto em folha.

No entanto, o que a indústria fez, pra não impactar na sua folha de pagamentos já existente? Ela trocou o nome da verba de incentivo, passando a chamá-la de “gratificação de incentivo”, e a aumentou para os dois operários, de R$ 1.000,00 para, digamos, R$ 1.400,00 mensais. O “novo” teve um baita aumento, de R$ 2.000,00 para R$ 2.400,00, e ficou feliz. Entretanto, ao mesmo tempo, para o “antigo” a empresa modificou a forma de pagamento da vantagem de incentivo, que passou a ser calculada com base em apenas um salário, e não mais nos dois de antes. Assim, o “antigo” passou a receber a vantagem não mais de 1/6 (R$ 400,00), mas de 1/12 (R$ 200,00) sobre a remuneração, resultando num contracheque de R$ 2.600,00. Como o contracheque ficou maior que antes, o operário antigo também comemorou, mas nem notou que, em verdade, ele tomou um baita prejuízo: afinal, respeitado o seu direito adquirido, seu contracheque deveria ser de R$ 2.800,00 no mês!

Foi exatamente o que a Caixa fez, voltando agora para a realidade: a partir de ano de 1998, a empresa simplesmente anulou os efeitos práticos das vantagens incorporadas para os empregados “antigos”, que já estavam na empresa antes do concurso da época. De fato, o valor da tabela de funções foi aumentado, só que para todos, novos e antigos, o que geraria naturalmente o recálculo das vantagens incorporadas, conforme o exemplo simples da indústria acima narrado. Entretanto, para evitar esse aumento na folha de salários do pessoal já existente, a empresa trocou a sigla da gratificação de função, de “FC” para “CC”, e passou a não mais considerá-la na conta das vantagens, alegando tratar-se de rubricas distintas. A diferença resultante dessa exclusão é exatamente o aumento na tabela de funções, gerando, ao final, um “aumento zero” nos contracheques dos antigos. Não houve prejuízo salarial aparente, meramente formal, mas houve inegável prejuízo jurídico e financeiro, pois se a tabela de funções aumentou para todos, novos e antigos, por óbvio que as vantagens pessoais, que se baseiam no valor das funções e que são, talvez, a expressão máxima do direito adquirido na seara trabalhista, deveriam ser aumentadas também – e, ao contrário, foram diminuídas.

Só que a lesão não pára por aqui, e tem a ver com uma das maiores bizarrices jurídicas de todos os tempos: o conhecidíssimo “CTVA – complemento temporário variável de ajuste”. Bem ao contrário do que o nome induz a acreditar, não se trata de mero complemento salarial, pois só é pago exclusivamente para os comissionados em função, como contraprestação da função comissionada; e muito menos é “temporário”, salvo se alguém acreditar que uma verba paga continuamente durante dez, vinte anos seja algo temporário… Em verdade, o CTVA resultou justamente da intenção da Caixa de eliminar os efeitos das vantagens incorporadas, e poucos sabem disso. Ao invés de conceder um grande aumento no valor das funções comissionadas – o que geraria um outro grande impacto na folha salarial dos empregados anteriores a 1998, caso o pagamento das vantagens pessoais fosse feito corretamente – a empresa decidiu segregar parte da gratificação de função por meio do CTVA, e de aplicar um sistema de remuneração de piso de funções. Em lugar de somente remunerar a função, o CTVA serviu como um “amortecedor salarial”, nivelando “novos” e “antigos” até o valor final previsto na tabela de funções. E como a empresa nunca reconheceu o óbvio – que o CTVA é gratificação de função – ele também não entrou na conta das VPs. Então, mágica! Do dia para a noite, um gerente PF do concurso de 1989, com direito às vantagens incorporadas, passou a ganhar exatamente o mesmo que um colega admitido em 2000, de mesmíssima função, mesma agência, e sem direito às vantagens. Pode isso, Arnaldo?

Não pode, e por essas razões o TST, já tem algum tempo, pacificou não só em suas Turmas, como na Cúpula (SBDI-I), o entendimento de que as vantagens pessoais incorporadas, ou “VP-GIPs”, devem, sim, ser calculadas com a consideração das rubricas “CC – Cargo em Comissão” e “CTVA”. O seguinte julgado fala por todos os demais:

“EMBARGOS. BASE DE CÁLCULO DAS VANTAGENS PESSOAIS. CARGO COMISSIONADO. CTVA. PCS/98 RH 115. ALTERAÇÃO EM PREJUÍZO. A alteração do critério de cálculo da parcela denominada “Vantagens Pessoais”, em razão da exclusão do valor referente ao cargo em comissão e da CTVA, ocorrida com a implantação do PCS/98, retrata alteração do contrato em prejuízo, uma vez que o direito a metodologia de cálculo anterior já se incorporara ao patrimônio jurídico dos empregados da CEF, a justificar o deferimento das diferenças salariais pertinentes. Precedentes do Tribunal. Embargos conhecidos e providos.” (E-ED-RR – 2176-78.2011.5.12.0010, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 01/06/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 09/06/2017)

A Caixa viu, então, malograr na Justiça sua intenção de anular na prática o pagamento as vantagens pessoais, e ainda em 2008 editou a “Estrutura Salarial Unificada”, onde sequer disfarçou o interesse declarado de exigir, dos empregados, renúncia das vantagens pessoais e desistência de ações judiciais relativas, travestido sob a forma de uma indenização irrisória que não supera dois meses de diferenças devidas. Com a ESU/08, aderida pela maioria dos empregados num contexto de pressão extrema como a história conta, o plano era o de “incorporar” de vez as vantagens pessoais na rubrica básica de salário-padrão, dando um ponto final derradeiro no assunto, o que eterniza o prejuízo salarial até a aposentadoria dos empregados.

A cúpula do TST, a SBDI-I: no final de 2017, disse que essa adesão à ESU/2008, embora tenha sido declarada válida, foi declarada inválida no ponto em que exigiu renúncia e quitação do direito às vantagens pessoais, uma vez que isso afronta a garantia respeito aos direitos adquiridos dos empregados. São dois os Acórdãos do TST que norteiam o posicionamento sobre o assunto:

RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. CEF. ADESÃO À NOVA ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA. ESU/2008. EXIGÊNCIA DE RENÚNCIA DE DIREITOS. É certo que a opção de que trata a Súmula nº 51, II, do TST enseja a existência de real liberdade de decisão do empregado. Assim, não se admite que a escolha, supostamente atribuída ao trabalhador, represente, na verdade, mecanismo de coação de sua vontade. No caso, tem-se por caracterizada condição coercitiva do consentimento do empregado, uma vez que o crescimento na empresa fica condicionado à efetiva adesão à nova Estrutura Salarial Unificada (ESU-2008), implantada pela CEF, única hipótese que se contrapõe ao quadro de extinção. Assim, traduz abuso de poder a exigência de renúncia de direitos já incorporados ao patrimônio jurídico pessoal do trabalhador, inclusive quanto a eventuais ações judiciais, para a efetivação daquela opção. Nesse sentido, aliás, o mais recente pronunciamento da SBDI-1 deste Tribunal acerca da matéria. Recurso de embargos de que se conhece e a que se dá provimento.” (E-RR – 1656-32.2010.5.01.0343, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 19/10/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 27/10/2017)

“RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/14. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. ADESÃO À NOVA ESTRUTURA SALARIAL UNIFICADA (PCS/2008) DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. CONDIÇÕES IMPOSTAS PELA EMPREGADORA. QUITAÇÃO DE PARCELAS RELATIVAS AO ANTERIOR PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. INVALIDADE. A respeito da adesão à nova estrutura salarial unificada da CEF (PCS/2008), esta Colenda Subseção possui firme entendimento no sentido de ser incabível a exigência de quitação e/ou renúncia a direitos referentes ao anterior Plano de Cargos e Salários para adesão ao novo plano, devendo ser resguardado o direito de opção do trabalhador ao regulamento que entender lhe ser mais favorável, por se tratar da coexistência de dois regulamentos jurídicos, razão por que inválida a cláusula que estabelece tal condição como requisito para a adesão ao novo Plano de Cargos e Salários instituído pela Caixa Econômica Federal. Recurso de embargos conhecido e provido” (E-RR – 564-47.2013.5.04.0014, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 14/09/2017, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22/09/2017)

11.03.2021. Atualização do Post

De lá para cá, esse entendimento do Tribunal Superior do Trabalho infelizmente foi revisto, acompanhando vários Tribunais Regionais que ainda julgam desfavoravelmente aos empregados – e talvez nunca venham a mudar de opinião – no sentido de que a adesão à ESU teria sim o condão de quitar os direitos decorrentes do plano anterior, inclusive no tocante às vantagens pessoais. Discordamos desse novo posicionamento, principalmente porque a adesão à “Estrutura Salarial Unificada” de 2008 foi obtida dos empregados mediante a ameaça de congelamento na carreira, quitação de direitos por meio de pagamento de indenização “genérica” e de valor pífio, dentre outros abusos e irregularidades cometidos pela Caixa.

Mesmo assim, parece que a guerra não está perdida, pois a Justiça mais recentemente voltou a proferir decisões em favor dos empregados, deferindo a inclusão das rubricas “CC – Cargo em Comissão” e “CTVA” na base de cálculo das Vantagens Pessoais (VPs), seja em decorrência dos precedentes da SBDI-1 do TST citados acima, seja simplesmente por estar em consonância com a Súmula nº 51, I, daquele mesmo Tribunal Superior. Já há julgados do final do ano de 2020 de algumas turmas do TST, como das 4ª e 7ª Turmas, por exemplo, nesse sentido.

O tema, portanto, é contemporâneo, pois também está “pacificado” no TST que a possibilidade de revisão das vantagens pessoais só sofre prescrição “parcial”, sendo possível cobrança de atrasados dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. E pelo visto, quanto ao direito em si à revisão das vantagens pessoais (VPs), parece que o assunto ainda vai dar muito pano para manga…

5 comentários

  1. Me associei à Agecef/PE em 01/06/2018 seguindo a orientação dada na reunião de Abril/2018 em Recife. Serei beneficiado numa decisão favorável? Sou da turma de 1989 e ainda estou na ativa. Att Marconi Rabelo de Menezes.

    1. Bom dia, Marconi. Pelo critério da associação a uma das AGECEF, você será substituído na ação coletiva (“participará da ação”). Mas é preciso saber se você já ajuizou essa mesma ação anteriormente, e qual foi/é sua situação funcional desde 2008, para que haja certeza dessa substituição e, principalmente, do direito assegurado na hipótese de procedência da ação coletiva. Sugiro que você entre em contato com o escritório pelo 0800 772 1272, ou pelo whatsapp (empresas, é telefone fixo mesmo) 11 5051 1390.

  2. Para quem aderir ao PDV 2019 e fizer acordo sobre o auxílio-alimentação automaticamente abre mão desta causa VP-GIPs?

    1. desculpe a demora, não estávamos acompanhando a página. Pelo atual PDV, não há quitação de nenhum direito trabalhista em aberto. O acordo do auxílio-alimentação não quita o passivo das vantagens pessoais.

  3. Boa tarde Dr. Rogério, tudo bem?
    Como é que ficam as ações contra a Caixa sobre as Vantagens Pessoais 062 e 092 ainda não decididas pelo TST em razão das recentes decisões da SDI-1 em que está prevalecendo a Súmula 51, II do TST – renúncia as regras previstas no regulamento anterior

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